OS SEGREDOS DO DESENVOLVIMENTO - CRÍTICA AO LIVRO CHUTANDO A ESCADA (PARTE I)

Quem é o autor? O que o livro propõe?

Há-Joon Chang, 53 anos, é um economista institucional sul-coreano especialista em países em desenvolvimento. Chang também é conhecido por influenciar o economista Rafael Correa, atual presidente do Equador. O livro Chutando a Escada: a Estratégia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica (publicado em 2002 no original e em 2003 em português) tem por objetivo (p. 22) discutir um problema contemporâneo, as políticas e instituições sugeridas/impostas pelos países atualmente desenvolvidos (PADs) aos países em desenvolvimento, com o auxílio da História. Segundo o autor, nas últimas décadas, poucos estudos aplicaram a perspectiva histórica à análise do desenvolvimento econômico.


O autor argumenta que os países em desenvolvimentos são pressionados a adotar “boas” políticas. Essas políticas seriam (p.11): políticas macroeconômicas restritivas, a liberalização do comércio internacional e dos investimentos, a privatização e a desregulamentação. Todo o capítulo 2 do livro é dedicado a provar que a maioria dos PADs não adotaram essas políticas quando se encontravam em desenvolvimento (séculos atrás). O autor demonstra que os EUA e a Inglaterra usaram medidas protecionistas para desenvolver sua tecnologia e só se abriram quando sua tecnologia era competitiva globalmente.

O que é protecionismo?

É um conjunto de medidas econômicas que favorecem as atividades econômicas internas (por exemplo, impostos elevados para o produto importado) em detrimento da concorrência estrangeira.

Quais são as críticas à visão do autor sobre políticas econômicas?

O livro é criticado por detalhar os países desenvolvidos e não fazer nenhuma análise profunda de um país em desenvolvimento, para provar que, de fato, não há fatores internos interferindo. Nem todas as medidas protecionistas são iguais e tem a mesma eficiência. Por exemplo, ao comentar com um amigo que também leu o livro, ele me disse: “A Inglaterra saiu na frente da industrialização porque proibiu a exportação de lã pura.”. Isso é uma medida protecionista, porque o rei obrigou os produtores de lã, a trabalharem essa lã em forma de tecido, gerando mais empregos com a tecelagem.

Sim. Mas note que continuaram existindo diversos criadores de ovelha e empresas de tecelagem, que estavam em concorrência entre si, portanto, buscavam o maior lucro e a maior eficiência interna. O rei inglês não decretou “todas as ovelhas são do governo”, quem quiser criar ovelhas agora deve ter uma autorização real e só deu autorização para uma grande empresa nacional, a Ovelhabrás, e algumas estrangeiras (com restrições). E a Ovelhabrás não era a empresa que também controlava toda tecelagem inglesa. Pode parecer engraçado, mas é mais ou menos isso que o governo brasileiro faz com minérios e petróleo.

Para dar um exemplo com pecuária, nos últimos anos, o governo brasileiro investiu pesadamente em um frigorífico único para que este se tornasse um competidor em nível global. Agora esse frigorífico controla financeiramente empresas em vários lugares do mundo. Ou seja, ele gera emprego para açougueiros nos EUA, na Alemanha, entre outros países, o que, na minha opinião, é um protecionismo “ruim”. Uma medida protecionista equivalente a tomada pela Inglaterra, um protecionismo “bom”, seria proibir a exportação do boi vivo para o abate no exterior. Por quê? Porque cortar carne exige pouco conhecimento e muita mão de obra. Isso gera emprego em massa. Além de que, exportar a carne cortada ocupa menos espaço no navio e gera menos perdas, portanto, reduz custos de transporte. Infelizmente, o Brasil aumentou drasticamente a exportação de gado vivo [1], gerando emprego para cortadores de carne dos países ricos.

O autor também argumenta que grandes empresas de tecnologia asiática foram criadas com apoio do governo. Nota minha: Mas o governo as vendeu depois de consolidadas, nenhuma delas continuou sendo estatal por décadas (como os Correios, a Petrobrás, a Caixa Econômica etc). E o autor chama de “neoliberais” as medidas do Presidente FHC. O que é contestável. Por exemplo, a Vale teoricamente foi privatizada porque seus papeis são vendidos na Bolsa, mas o governo escolhe o chefe executivo e membros do conselho, além de controlar o direito de outras empresas extraírem minérios do solo. Se você encontrar ouro num terreno que é seu, o ouro nunca será seu. Ele é do governo e de quem o governo der o direito de explorar (que não será você). Nos EUA, existem milhares de pequenas empresas familiares mineradoras, o direito de exploração do solo é de quem for o dono do terreno. O que o FHC fez com a Vale passou muito longe de ser uma privatização nos moldes neoliberais. A mesma lógica se aplica às concessões de rodovias.

Eu também acho que deveria haver suporte governamental para o desenvolvimento de empresas que hoje são consideradas fronteiras tecnológicas, como, por exemplo, a nanotecnologia, computação e a bioengenharia. Mas, como acontece no mundo financeiro, esse investimento estatal tem que ter uma saída prevista, ele não pode ficar indefinidamente.

Muito obrigada a todos (as) vocês que acompanham o nosso trabalho. Por favor, fiquem à vontade para deixar críticas e sugestões. Nos próximos dias, continuaremos com os comentários sobre o livro Chutando a Escada.


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