JUANA INÉS: A PRIMEIRA FEMINISTA DAS AMÉRICAS

Sóror Juana Inés de la Cruz nasceu numa pequena cidade do interior do México em 1651 e se tornou uma freira, poetisa e dramaturga internacionalmente conhecida (mesmo em vida). Ela é considera a última grande escritora do Século de Ouro da Literatura Espanhola.

Existe uma série chamada Juana Inês (sete capítulos de 50 minutos) na NetFlix sobre a vida dela. Seus escritos, assim como o da escritora Gabriela Mistral, são pouco traduzidos para o português. É lamentável o fato de traduzirmos tão poucas escritoras. Mas curiosamente a biografia dela, escrita por Octavio Paz (Nobel de Literatura mexicano), foi traduzida em 1998, chama-se Sóror Juana Inés de la Cruz: As Armadilhas da Fé. O preço infelizmente é pouco acessível para não colecionares.

Biografia de Juana Inés em português. Publicada em 1998.


A INFÂNCIA DE JUANA INÉS

Segundo a série, Juana Inés era a filha bastarda de um nobre. Por causa disso, ela jamais poderia se casar, pois as famílias só permitiam que os casamentos “legítimos” ocorressem se a noiva também fosse filha de pais unidos em um casamento “legítimo”. Juana Inés estava condenada a ser uma concubina como sua mãe. Aos três anos de idade, ela aprendeu a ler sozinha entrando na biblioteca de seu avô. Possivelmente foi ele quem estimulou o gosto pelos estudos da neta. Mas, muito jovem, ela foi dada para um casal de tios. Aos quatorze anos, seus tios a mandaram para a corte na cidade do México para que ela se tornasse dama da corte da Vice Rainha.

Série da Netflix sobre a vida de Juana Inés.


JUANA INÉS VERSUS OS INTELECTUAIS

Juana Inés consegue se tornar dama da corte. Mas ela quer continuar seus estudos (na época, as mulheres eram proibidas de entrar em bibliotecas ou frequentar a universidade). Para isso, ela bola um plano: tornar-se preceptora da filha da vice-rainha. Nenhuma mulher havia tentado algo assim antes. O vice-rei propôs um desafio: ele chamaria 40 intelectuais que fariam perguntas a Juana Inés sobre os mais diversos temas, se ela conseguisse responde-las todas, poderia se tornar preceptora da princesa. Juana Inés venceu e ficou com o cargo.

O INGRESSO NA VIDA RELIGIOSA: ORDEM DAS CARMELITAS E ORDEM DAS JERÔNIMAS

A vida política da corte era muito conturbada. O poder mudava de mãos muito rapidamente. Temendo por sua segurança como uma mulher intelectual e livre, seu confessor aconselha que ela entre numa ordem religiosa para poder continuar estudando e ter uma vida mais estável. Juana Inés primeiramente tenta ingressar na Ordem das Carmelitas Descalças (a mesma de Santa Teresa d’Ávila quase um século e meio antes). Mas ela não aguenta o rigor do convento. Em seguida, ela ingressa na Ordem de São Jerônimo. Lá ela se adapta melhor.

COMO AS OBRAS DE JUANA INÉS CHEGARAM ATÉ NÓS

Juana Inés continuou escrevendo e estudando incessantemente. As pessoas pagavam para que ela escrevesse poemas. Na verdade, ela alegou que todos os seus poemas foram feitos por encomenda, mas é pouco provável que um poema como Hombres Néscios (Homens Estúpidos) não tenha sido escrito pelo interesse dela mesma. Segundo a versão da série, Juana Inés sofreu muitas perseguições. Em um dado momento, seu confessor exigiu que ela entregasse todos os seus escritos. Num esforço heróico, as irmãs do convento passaram todawww.blog  noite copiando os escritos da Sóror Juana Inés, entregaram os originais para o padre e as cópias foram dadas à Vice-Rainha que levou-as e publicou-as na Espanha. Alguns especulam até que Juana Inés e a Vice-Rainha fossem amantes, pois a Vice-Rainha admirava muito os seus trabalhos e a protegia. A partir daí, Sóror Juana Inés tornou-se internacionalmente conhecida e, graças a isso, pelo menos alguns dos seus escritos chegaram aos nossos dias.

A CONTROVÉRSIA COM PADRE ANTÔNIO VIEIRA

Mas o grande problema de Juana Inés surgiu quando ela respondeu a um dos sermões do padre Antônio Vieira. Sim, o nosso padre Antônio Vieira (1608-1697), que viveu e pregou no Brasil. Os sermões dele foram publicados no México. O padre Antônio Vieira acreditava que a maior dádiva que Deus dava aos seus fiéis fosse o Espírito Santo. Sóror Juana Inés discordava. Ela acredita que a maior dádiva que Deus dava aos seus fiéis era não conceder a eles o que eles Lhe pediam, porque Deus sabe que nós faríamos mau uso daqueles pedidos.

Para as mentes modernas, isso não representa nenhuma problema. Seu confessor achou a ideia ousada e pediu que ela argumentasse por escrito. A carta de Juana Inés deveria ser mantida em segredo, posto que fosse escrita entre ela e seu confessor. Mas vazou. Possivelmente o bispo (alguém com pseudônimo irmã Filotea de la Cruz) publicou o texto de Juana Inés juntamente com uma carta resposta criticando sua opinião duramente, porque ela era uma mulher e não tinha direito de ter uma opinião sobre o que padre Vieira disse, pois mulheres eram incapazes de pensar. Sóror Juana Inés decidiu então publicar uma tréplica reforçando a ideia de que todos eram livres para pensar e ter opiniões, assim como a “irmã” Filotea tinha o direito de dar a sua. Essa resposta virou um livro Respuesta a Sor Filotea de la Cruz.

Tréplica à crítica de sermão do padre Antônio Vieira.


JUANA INÉS E A INQUISIÇÃO

Essa “ousadia” para época de dar uma tréplica pública, sendo mulher, quase custou a cabeça de Sóror Juana Inés. O arcebispo da cidade do México mandou um Visitador da Inquisição investigá-la para dar início a um processo (que geralmente acabava com o réu ou ré queimado(a) na fogueira). Juana Inés recebeu ajuda de muitos amigos, um padre defendeu-a num sermão público e foi preso (possivelmente torturado) pela Inquisição. A antiga Vice-Rainha que estava na Espanha recebeu uma cópia de Respuesta a Sor Filotea de la Cruz e a publicou com a aprovação da Inquisição Espanhola. Talvez essa tenha sido a ajuda de salvou Sóror Juana Inés da morte, pois, como a Inquisição Mexicana iria condenar alguém por uma obra que não foi condenada pela Inquisição Espanhola?

Pressionada por todos e pelo sistema, Juana Inés concorda em se declarar culpada e arrependida, aceita a condenação de não ler nem escrever mais. Ela foi obrigada a doar sua biblioteca com mais de 4.000 (quatro mil) livros. Dois anos depois, Juana Inés morre de uma peste que chegou ao convento. Após a sua morte, foram encontrados cerca de 150 livros e 15 manuscritos na sua cela. Juana Inés nunca parou de escrever e buscar o conhecimento, apesar de todas as perseguições.

Muito obrigada a todos e todas que seguem o nosso blog. Por favor, fiquem à vontade para deixar suas críticas, sugestões e comentários. Acompanhem as novidades na nossa página do Facebook. Vamos viajar semana que vem, provavelmente o próximo post saíra na sexta-feira (28.07).

BOA SEMANA! BOAS LEITURAS!



Seguem fragmentos do poema Homens Néscios (Homens Estúpidos) de Sóror Juana Inés de la Cruz:

Homens néscios a acusar

às mulheres sem razão,

sem ver que são a ocasião
do que as estão a culpar.

..Se com ânsia sem igual
estimulam seu desdém,
por que querem que obrem bem
se as incitam para o mal?

..Combatem sua resistência,
e em seguida com maldade
dizem que foi leviandade
o que fez sua insistência.



....



..Com o favor ou o desdém

o resultado é igual:
se queixam, se os tratam mal;
enganam, se os querem bem.

..Opinião nenhuma ganha,
pois a que mais se recata,
se não lhes aceita, é ingrata,
e, se aceita, é piranha.

...

..Como talvez se interesse
a que seu amor pretende,
se à que é ingrata ofende
e à que é fácil aborrece?



...

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