MULHER DA VIDA - CORA CORALINA
Cora Coralina é o pseudônimo da poetisa e contista goiana
Anna Lins de Guimarães Peixoto Bretas (1889-1885). Ela teve seus primeiro livro
publicado quando já estava com 65 anos de idade. Hoje o Google está homenageando o aniversário de 128 anos da escritora.
Retirei o Poema Mulher da Vida do primeiro livro da autora, Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais.
Mulher
da Vida,
Minha
irmã.
De todos os
tempos.
De todos os
povos.
De todas as
latitudes.
Ela vem do fundo
imemorial das idades
e carrega a carga
pesada
dos mais torpes
sinônimos,
apelidos e
apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à-toa.
Mulher
da Vida,
Minha
irmã.
Pisadas,
espezinhadas, ameaçadas.
Desprotegidas e
exploradas.
Ignoradas da Lei,
da Justiça e do Direito.
Necessárias
fisiologicamente.
Indestrutíveis.
Sobreviventes.
Possuídas e
infamadas sempre
por aqueles que
um dia
as lançaram na
vida.
Marcadas.
Contaminadas.
Escorchadas.
Discriminadas.
Nenhum direito
lhes assiste.
Nenhum estatuto
ou norma as protege.
Sobrevivem como a
erva cativa
dos caminhos,
pisadas,
maltratadas e renascidas.
Flor sombria,
sementeira espinhal
gerada nos
viveiros da miséria,
da pobreza e do
abandono,
enraizada em
todos os quadrantes
da Terra.
Um dia, numa
cidade longínqua, essa
mulher corria
perseguida pelos homens
que a tinham
maculado. Aflita, ouvindo
o tropel dos
perseguidores e o sibilo
das pedras,
ela encontrou-se
com a Justiça.
A Justiça
estendeu sua destra poderosa
E lançou o repto
milenar:
“Aquele que
estiver sem pecado
Ativer a primeira
pedra.”
As pedras caíram
e os cobradores
deram as costas.
O Justo falou
então a palavra
de equidade:
“Ninguém te
condenou, mulher... nem
eu te condeno”.
Imagem retirada do site Pixabay. |
A Justiça pesou a
falta pelo peso
do sacrifício e
este excedeu àquela.
Vilipendiada,
esmagada.
Possuída e
enxovalhada,
ela é a muralha
que há milênios
detém as
urgências brutais do homem
para que na
sociedade
possam coexistir
a inocência,
a castidade e a
virtude.
Na fragilidade de
sua carne maculada
Esbarra a
exigência impiedosa do macho.
Sem cobertura de
leis
E sem proteção
legal,
Ela atravessa a
vida ultrajada
E imprescindível,
pisoteada, explorada,
nem a sociedade a
dispensa
nem lhe reconhece
direitos
nem lhe dá
proteção.
E quem já
alcançou o ideal dessa mulher,
que um homem a
tome pela mão,
a levante, e
diga: minha companheira.
Mulher
da Vida,
Minha
irmã.
No fim dos
tempos.
No dia da Grande
Justiça
do Grande Juiz.
Serás remida e
lavada
de toda
condenação.
E o juiz da
Grande Justiça
a vestirá de
branco
em novo batismo
de purificação.
Limparás as
máculas de sua vida
humilhada e
sacrificada
para que a
Família Humana
possa subsistir
sempre,
estrutura sólida
e indestrutível
da sociedade,
de todos os
povos,
de todos os
tempos.
Mulher
da Vida,
Minha
irmã.
Declarou-lhes
Jesus: “Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes vos precedem no
Reino de Deus”. Evangelho de São Mateus 21, ver.31.
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