E SE A ÁFRICA NÃO PRECISAR DA NOSSA AJUDA?

Estou planejando uma viagem para Moçambique e África do Sul. Ao comentar isso com colegas, recebi comentários como “Por que você não faz um serviço voluntário?”, “Tem uma ONG com um ator famoso que faz trabalho voluntário em Moçambique”. No momento, achei o comentário natural. Depois, mais tarde, em casa, refleti o assunto e achei que não fazia sentido nenhum e podia até demonstrar uma certa presunção da nossa parte: “Ajuda externa é realmente ajuda?”, “Quem foi que disse que nós estamos em condição de ajudar Moçambique?

Bandeira de Moçambique.

Começando pela primeira pergunta: “Ajuda externa realmente ajuda?”. Em casos de guerras e catástrofes naturais, onde as pessoas estão em estado crítico e precisam de ajuda imediata e, nesse caso, sim, qualquer ajuda é válida. Mas Moçambique não está passando por nenhum evento assim.

Moçambique é um país no sul da África (banhado pelo Oceano Índico), cuja língua oficial é o português e tem mais de 24 milhões habitantes, a maioria são povos de origem bantu. Sua capital é Maputo, que tem um pouco mais de um milhão de habitantes. Assim como o Brasil, Moçambique é uma república presidencialista e a maior parte da população é cristã.

Moçambique se tornou independente de Portugal apenas em 1975. O Brasil se tornou em 1822, ou seja, talvez boa parte do nosso desenvolvimento, quando comparado ao de Moçambique, se deva unicamente ao nosso tempo maior de autonomia política.

Após apenas dois anos de independência, Moçambique mergulhou numa guerra civil intensa e prolongada de 1977 e 1992. O primeiro governo do país era unipartidário e comunista. Fortemente influenciado pela União Soviética.

Esta semana tive a oportunidade de ler um ótimo livro (romance) sobre esse período da História: Entre Memórias Silenciadas do escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa. O autor narra magistralmente antes, durante e depois, e como não houve vencedores. Todos perderam algo ou alguém e se viram na mesma vida que eles tinham antes da luta. Nesse período de perseguição, houve campos de concentração para opositores, com tortura e mutilação.




Até hoje, em Moçambique, o serviço militar é obrigatório para homens e mulheres devido à guerra. Essa é uma escolha oposta de países da América Central que também passaram por décadas de guerra civil, como o Panamá. Lá o serviço militar não é obrigatório justamente para que não haja ninguém treinado para uma nova guerra. Qual visão está correta?

Desde então, o Moçambique é uma república relativamente estável. Ou seja, as pessoas têm liberdade de culto, trabalham, se reúnem, votam e vivem suas vidas e cultura normalmente (assim como no Brasil).

Mas aí, você chega lá... brasileiro ou brasileira, branco ou negro, mas sem saber de nada sobre a História e cultura daquele país (sem saber o que é uma capulana!), sem falar uma única língua bantu... Existe uma grande probabilidade de que você esteja fazendo algo errado ou algo que vai ajudar apenas os interesses das elites locais.

Se você quer aprender sobre esse patrimônio cultural de Moçambique, a capulana, confira a reportagem da RFI – Rádio France Internacional clicando aqui. Existe também uma editora de Moçambique, chamada Kapulana (com "k"). Confira o site dela, clicando aqui.

Vou dar um exemplo que aconteceu no Brasil na década de 70. A australiana Louise Sutherland foi a primeira pessoa a percorrer sozinha (sem falar português) a Rodovia Transamazônica de bicicleta. A rodovia tem 4.333 km! Com certeza, ela foi uma mulher extraordinária por se propor a realizar algo assim. Admirável. Ela era enfermeira e, durante sua aventura, foi calorosamente recebida pelas comunidades ribeirinhas. Louise quis retribuir e realizou uma campanha internacional para melhorar as condições de saúde dessa população. Resultado? Roubado pelas autoridades brasileiras. Ela veio fiscalizar e foi “feita de trouxa”. Tudo isso é narrado no livro Amazônia – A viagem quase impossível. A gente, que é brasileiro, lê o livro e fica com vergonha. Então cuidado para não fazer uma doação para corruptos moçambicanos.




Além disso: “Quem foi que disse que nós estamos em condição de ajudar Moçambique?”. Existem pobres no Brasil em condições iguais ou piores que as de Moçambique. Por que não ajudar os nossos antes de tentar ajudar os de outros lugares?


Boa Semana! Boas Leituras!


Outros posts sobre Moçambique:
Brogúncias do meu Bairro - Miller A. Matina
Yvone Kane - Filme sobre a independência de Moçambique
Estórias Abensonhadas - Mia Couto




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