DIANTE DA DOR DOS OUTROS - SUSAN SONTAG
Susan Sontag foi uma escritora e ativista dos
direitos humanos. Susan nasceu em Nova Iorque, Estados Unidos, com o nome Susan
Rosenblatt em 1933. Ela faleceu na mesma cidade e país aos 71 anos, em 2004,
vítima das complicações de um tratamento de câncer.
Retrato de Susan Sontag, por Juan Bastos. |
Susan Sontag viajou e acompanhou de perto vários eventos
militares, como a Guerra
do Vietnã e o Cerco
de Sarajevo. Um pouco antes de sua morte, ela ainda cobria o início da Guerra do Iraque. Em 2003, um ano antes de sua morte, Susan Sontag lançou o livro Diante da Dor dos Outros.
Concidentemente o diplomata brasileiro Celso Vieira de Mello, amigo de Susan,
morreu na Guerra do Iraque neste mesmo ano. A autora comenta os dois fatos numa
entrevista (talvez a última de sua vida) para o jornal Folha de São
Paulo.
A obra máxima de Susan Sontag é Ensaios sobre Fotografia, escrito ainda na
década de 70, onde a autora afirma que nos tornamos insensíveis ao sofrimento
do mundo, ao sofrimento das outras pessoas devido à constante exposição de
imagens violentas apresentadas pelas mídias. No livro Diante da Dor dos Outros, Sontag
reconsidera essa opinião.
Capa da edição de 2004. |
A autora expõe, com
refinamento e elegância, toda a evolução das imagens de violência e de guerra
na nossa sociedade. Ela começa desde as pinturas, como O Castigo de Marsias por Ticiano (1570-1576) e as
obras de guerra de Goya (1746-1828), passando pela Guerra Civil Espanhola, pela
Guerra do Vietnã e pelas imagens do Holocausto até chegar às imagens do 11 de
setembro e da Guerra do Iraque.
O Castigo de Márcias, obra do pintor italiano Ticiano (1570-1576). |
A autora me surpreendeu ao mostrar que muitas imagens
clássicas foram encenadas, maquiadas e rearranjadas, mesmo as mais belas e as
mais brutais. Sabe aquele casal apaixonado se beijando após o fim da Segunda
Guerra Mundial? São dois modelos pagos que não se conheciam e ficaram ensaiando
por 8 horas para fazer aquela foto. Decepção para os românticos. Além disso, muitas fotos de atrocidade foram usadas pelos dois lados
do mesmo conflito. Cada grupo dizia: “Vejam os horrores que eles, nossos
inimigos, fizeram com nossas crianças.”. Uma foto em si, não diz nada sem uma
legenda ideologicamente influenciada.
ENQUANTO ISSO, NO BRASIL...
Nos tempos de redes sociais e memes de internet é possível
ver claramente a influencia das fotos como geradora de opinião, ao invés de uma
informação real, com dados, que geram reflexões e discussões. Por exemplo, imagens
exploradas pela dita “esquerda” brasileira, as fotos de Obama
acompanhado de Michelle, versus as fotos de Trump alguns passos à frente da
esposa. É impossível conviver diariamente com uma pessoa e não andar, pelo
menos em algum momento, à frente, atrás ou ao lado dela. A questão é que essas
celebridades são fotografadas o tempo todo. Os fotógrafos escolhem qual foto
querem usar para mostrar o que querem mostrar. Independentemente de quais sejam
as reais opiniões pessoais de Trump, as fotos usadas (tiradas em momentos não
explicados) são um argumento muito fraco para demonstrá-las.
Imagens exploradas pela dita “direita” brasileira tentam
mostrar a contradição entre a “esquerda” e o “feminismo” supostamente ser
contra a discriminação ao islamismo (usa-se uma imagem de um radical islâmico
casando com uma menina de 10 anos) e também ser supostamente contra a família
cristã (geralmente, usa-se uma imagem de uma família perfeita, pai, mãe e todos
os filhos sorrindo). Essas imagens já partem assumido um
pressuposto falso, de que todas as feministas são de esquerda. Na verdade, o
regime de liberalismo econômico é o que mais permite liberdade individual e
realização individual, mesmo para indivíduos de classes desfavorecidas (como
mulheres, negros, etc). Pessoalmente, o feminismo que eu acho mais coerente é o que suporta
o regime econômico liberal, também conhecido como feminismo liberal. Portanto, sim, existe feminismo de direita econômica e, mundialmente, ele
é um movimento quase tão grande quanto o de esquerda! O segundo ponto é que a
violência da pedofilia na foto nos choca, mas quantos muçulmanos, de fato, são
pedófilos? Esse número é maior do que padres? As famílias cristãs todas têm
pai, mãe e filhos e os pais são capazes de sustentar e apoiar seus filhos? Os
filhos de fato amparam seus pais quando eles envelhecem? Quantas famílias nós
conhecemos assim? Elas são felizes? São a maioria? São uma série de perguntas,
que uma foto não deixa espaço para debate, simplificando demais um problema
complexo. Não baseie suas opiniões em fotos. Essa pode ser a forma
mais fácil de estar errado.
Nas palavras da autora Susan Sontag:
“Parece mais plausível
que uma narrativa demonstre uma eficácia maior [em convencer as pessoas] do que
a imagem. Em parte, a questão reside na extensão de tempo em que a pessoa é
obrigada a ver e sentir.”
No livro Diante da Dor dos Outros, Susan Sontag reconsidera o que
escreveu anteriormente e diz que não é a constante exposição a imagens de
violência que nos torna insensível a dor dos outros, segundo a autora, a
questão é que somos bombardeados por imagens, temos a ilusão que sabemos o que
está acontecendo em todo o mundo, mas nenhuma imagem, notícia ou informação
substitui a experiência. Nas palavras da autora para entrevista da Folha:
“... vi que as pessoas que acompanhavam o
noticiário de perto entendiam pouco sobre a guerra. Percebi que não havia
substituto para a experiência. Essa é a origem das reflexões do livro.”.
Isso lembrou um pouco Hannah Arendt, que afirma no livro As Origens do Totalitarismo, que
assistir o terror e, nesse ponto as duas autoras divergem, nem mesmo, vivenciar
o terror na própria pele, torna as pessoas melhores. Hannah Arendt é cética
quanto à mudanças na natureza humana.
ENQUANTO ISSO, NO CINEMA...
O filme Até o último homem (no original, Hacksaw
Ridge) é um drama biográfico, dirigido por Mel Gibson em 2016. O filme ganhou
o Oscar de Melhor Fotografia. Trata-se
da vida real do soldado Desmond Doss, cristão e Adventista do Sétimo Dia, durante a Segunda
Guerra Mundial. Por ser adventista, ele é um opositor consciente à guerra, ou
seja, não pode tocar em armas de jeito nenhum. Mesmo assim, ele se alista (isso
leva a reflexões sobre como as pressões sociais atuam sobre as pessoas) e acaba
se tornando um herói de guerra e condecorado pelo Congresso Americano.
Assistir esse filme depois de ler Diante da Dor dos Outros, nos torna bem
mais crítico quanto às imagens de guerra. Eu não daria o Oscar de melhor
fotografia para esse filme. As imagens dos horrores da guerra são “leves” se
comparadas com o que realmente aconteceu (o que já pode fazer embrulhar o
estômago de telespectadores sensíveis) e os produtores manipularam as imagens
exatamente do modo que Susan Sontag descreve em seu livro, mostrando de ângulos
diferentes os inimigos e os aliados, quando a morte e o sofrimento, na verdade,
são niveladores.
Mesmo assim, Até o
último homem um filme que vale a pena ser assistido pelos valores que tenta
transmitir. Segundo Sontag, o filme de guerra, que ela já viu, que melhor retrata
a tristeza da guerra, é A Ascensão
(1977) da cineasta ucraniana Larissa
Chepitko.
Para quem gostou do filme Até o último homem (2016), a dica de leitura é o livro Mil Cairão, uma
história real de um adventista alemão que é obrigado a participar da Segunda
Guerra Mundial (do lado alemão). O livro é escrito pelos seus filhos e é uma
narrativa impressionante. O título vem da passagem de Salmos 91:7 :
“Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas não chegará a ti.”.
Muito obrigada a todos que acompanham o nosso trabalho. Por
favor, fique à vontade para deixar seus comentários, críticas e sugestões.
Boa semana! Boas leituras!
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